Por Gil Pena *
Quando Rubem Alves veio de Portugal e nos trouxe o seu relato sobre a Escola da Ponte(1), ficamos matutando entre nós como seria ter uma Escola como a que sonhávamos, sem imaginar que pudesse existir.
A escola dos nossos sonhos, como a que nos relata o Rubem Alves, é difícil de encontrar. E suspeito que mesmo que o Prof. Pacheco, que dá uma entrevista no final do livro, tem uma certa dificuldade em identificar a sua Escola da Ponte com a que o Rubem Alves relata, dada a dimensão que alcança o relato escrito, na materialização daquilo que pensamos, vivemos, até mesmo sonhamos.
Talvez a lição mais importante do livro é ver não a Escola construída, mas a escola que se permite sonhar, que se imagina a cada dia diferente, que percebe em cada criança a utopia. A Escola, por mais que o livro sobre ela se dê por acabado, publicado e lido, tem de perseguir na ponte dos sonhos, da passagem deste ponto a outro. Talvez por isso eu suspeite que o Prof. Pacheco veja o livro de Rubem Alves como algo assim um pouco demais, dando por maravilhoso, aquilo que é o seu trabalho de construção no dia-a-dia. Se ainda está por se construir, não está pronto, ainda está por tornar-se aquilo com que sonhamos.
A Escola em que meus filhos estudam é, por assim dizer, uma Escola Construtivista. Bem construtivista. Não é igual a escola da ponte. Seu nome, Balão Vermelho, vem com essa mesma noção de ponte, a passagem de um ponto a outro, mas por meio de um balão. O Balão é também uma escola que se constroi, tendo a noção implicita de não se ver pronta, cabendo nela também uma Escola com que sonhamos, mas vamos dando forma ao sonho com o trabalho de construí-la.
A publicação recente do documento/livro Pensando uma escola para a adolescência(2) trouxe-me impacto semelhante ao que produziu o texto de Rubem Alves sobre a Escola da Ponte. A mesma sensação de que uma escola boa é possível, se podemos pensá-la, e trabalhamos para construí-la. Estranho que me inclua nessa construção. Sou apenas um pai de aluno, mas me sinto participante, parte dessa comunidade que se forma em torno da escola, envolvendo não só professores e alunos, mas também todo o pessoal de apoio, a direção, pais, por que não dizer, a comunidade vizinha, de perto ou de longe, de algum modo envolvida nos projetos educativos da escola. Sendo parte, me sinto responsável, creio que meus filhos também assumem sua responsabilidade, agora não mais como alunos, mas como pequenos cidadãos se formando.
Estou me adiantando um pouco com o andar da coisa, essa parte da cidadania era para um pouco depois, mas cheguei nela por outro caminho.
Volto um pouco. A boa escola, uma com que se pode sonhar, é um ponto difícil de definir. A maioria das pessoas considera que a boa escola se define por seus resultados, mas vou mais além, não por seus resultados, mas por seus processos. Uma boa escola não se exime da escolha do caminho. A escolha de um caminho, não é por certo, a garantia de determinado resultado. Mas continuo acreditando que devemos escolher o caminho. Entender por onde caminhamos, significa entender que educar não é treinar o indivíduo para o vestibular, ou para compor a mão-de-obra ou desenvolver habilidades de que o mercado necessita. Atualmente, mais do que no passado, é difícil manter a opção da escolha pelo caminho, dadas as pressões da sociedade para que as crianças se preparem para o vestibular e o assim chamado mercado. Mas permitir-nos a opção significa que nos entendemos parte da sociedade. A escola que construímos, reflete uma sociedade que sonhamos, a possibilidade de que um dia, talvez o Rubem Alves nos brinde com um livro sobre a existência da sociedade com que sempre sonhamos.
Na sua opção educativa, a Escola Balão Vermelho propõe que os conteúdos sejam estruturados em grandes eixos temáticos, articulados aos processos pedagógicos. São três os eixos temáticos: Arte e Cultura, a Ecologia e a Cidadania. Os eixos temáticos articulam-se com as áreas do conhecimento, vistas na proposta curricular como ferramentas culturais, possibilitando de um lado a compreensão do mundo, de outro a intervenção na realidade. São áreas do conhecimento: Linguagens e Códigos, as Ciências da Natureza, a Matemática, Ciências Sociais e Humanidades. Eixos temáticos e áreas de conhecimento interagem em torno da possibilidade de uma compreensão e intervenção na realidade, num processo constante de investigação e participação. Nesse processo, importa “adotar, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, de cooperação e de repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito” (p.15), posicionando-se “contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, classe social, crenças, sexo, etnia ou outras características individuais e sociais” (p.16). O diálogo surge como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas.
A proposta de criar um currículo em que as áreas do conhecimento dialogam entre si, e por sua vez dialogam com temas como cidadania, ecologia, arte e cultura, encontra na figura do tutor, o mediador necessário, aquele capaz de articular como cada professor “especialista”, de ciências, de português, de geografia ou história, lidam entre si e com a turma, na condução dos projetos de investigação, identificando problemas em cada aluno, traçando estratégias, em cada situação, para resolve-los.
Conflitos surgem, são oportunidades para o grupo aprender a lidar com as diferenças, por meio do respeito mútuo. Os alunos mostram que aprender a conviver é tão urgente como aprender os diferentes conteúdos curriculares. Professores e tutores envolvidos no ensino entendem que é necessário “construir um espaço de convivência que garantisse a diversidade do grupo, suas novas demandas, para que realmente se estabelecesse um ambiente propício para a troca entre os pares, onde houvesse ajuda mútua, ou seja um espaço coletivo e democrático de aprendizagem” (2:p.21).
O professor-tutor, acompanha e avalia o processo de aprendizagem de cada aluno, atuando também como mediador na relação família-escola, estabelencendo um constante diálogo com os pais. É parceiro dos professores em sala de aula, ambos refletindo conjuntamente sobre a prática pedagógica.
A proposta do aprender, é a de aprender a aprender: o objetivo é formar estudantes autônomos, com “disposição para o estudo e domínio de procedimentos básicos, como observar, formular problemas e hipóteses, analisar, sintetizar, avaliar dados, produzir conclusões” (2:p33). Nesse sentido, são desenvolvidos processos pedagógicos: projetos de trabalho, debates, oficinas, intercâmbios e saídas pela cidade. No livro, descrevem um dos projetos de trabalho, originado a partir de uma visita a um assentamento de reforma agrária, produtivo, o assentamento Pastorinhas, no município de Brumadinho. A relação com a comunidade dos “sem-terra” resulta num aprendizado para os alunos e o projeto “Consumo solidário”, em que os assentados levam seus produtos fresquinhos para venda em uma feira instalada na porta da escola, beneficiando a população do entorno à escola e a própria comunidade escolar.
Debates são outra expressão dos processos pedagógicos da escola: pode ser sobre um filme, um filme “bem cabeça”, como “Uma lição de amor”, que oferece uma série de temas que podem gerar boas discussões: deficiências, adversidades, disputa judicial, relação entre pais e filhos, etc. Outro filme usado foi “A cor do paraíso”. Nesse processo, está o aprender a argumentar, e também aprender a escrever, argumentando. Mas isso é outro tema, que virou tese, e está no livro de Siqueira & Lucas (2010)(3). Vejam só a reflexão de C. sobre o filme “uma lição de amor”: “Eu gostei muito da história porque é linda e mostra que qualquer pessoa, com ou sem deficiência pode amar,trabalhar, ser amada e muito feliz. Achei que o ator Sean Penn interpretou muito bem o seu personagem; ele conseguiu mostrar as dificuldades que uma pessoa com deficiência tem e conseguiu também mostrar que ele é capaz de tudo, principalmente de amar. Eu acho que não é apenas a escola perfeita, a casa perfeita e nem a roupa perfeita que os pais dão. O mais importante é o que nós vimos no filme: a atenção”.
Em termos de avaliação dos alunos, a escola produz um documento, que avalia não apenas a aquisição de conteúdos, medida através de diagnósticos, mas também são avaliados processos relacionados a estratégias de estudo, organização do trabalho, participação nas interações do grupo, o compromisso e a autonomia.
Pensando numa escola, melhor pensar numa escola que se pensa.
* Gil Pena é médico patologista e pai.
REFERENCIAS
1-Alves, R. – A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. 4a. ed.Campinas: Papirus, 2002.
2-Leite, LHA (org.) Pensando uma escola para a adolescência. A experiência da Escola Balão Vermelho. Belo Horizonte: Editora Balão Vermelho, 2010.
3- Siqueira, C. & Lucas, R. Escrever e argumentar não é só começar. Belo Horizonte: Editora Balão Vermelho, 2009.
Fonte: O Autor/Liberdade Reflexiva
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