Rio de Janeiro, ano de 1996. Nas favelas, poucos moradores têm acesso à educação. Bem perto dali, no "asfalto", os moradores de bairros frequentam tanto instituições de ensino públicas quanto privadas. Em uma época na qual as desigualdades sociais eram facilmente percebidas, onde prédios de luxo se encontravam a poucos metros de comunidades carentes, a diferença do número médio de anos de estudos entre os cidadãos dos morros e do restante da cidade era de 3,79 anos.
Nos doze anos seguintes, muita coisa mudou. A cidade evoluiu, a população aumentou, políticos se sucederam e diversas ações e projetos foram colocados em prática por governos de diferentes orientações. Porém, o abismo entre o nível de escolaridade dos moradores da favela e do asfalto ainda continua, embora tenha caído para 3,51 anos. Os dados são de uma pesquisa recente da Fundação Getulio Vargas (FGV), intitulada "Desigualdade e Favelas Cariocas: A Cidade Partida está se Integrando?".
O estudo analisou, além do aspecto educacional, fatores como renda, saúde e condições de trabalho. Sob a coordenação do economista Marcelo Neri, os dados mostraram a distância entre o acesso à educação nos morros e no "asfalto". A escolaridade média dos não-moradores de favelas do Rio, é de 9,89 anos de estudo. Já a escolaridade média nas favelas é de 6,38 anos, ou seja, não representa nem o fundamental completo. O título da pesquisa pode até parecer otimista, mas será que podemos considerar que a cidade partida está mesmo se integrando ainda que com uma evolução em marcha lenta? Ou o fato de os dados estarem se aproximando podem significar que a educação como um todo não está avançando?
"Falta muito ainda a ser feito pela educação e eu acho que não está avançando em nada mesmo. Em 50 anos de magistério eu vejo que a educação piorou muito. Por enquanto está difícil acreditar nessa integração. Vai demorar", afirmou Bertha do Valle, professora do Departamento de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Nos doze anos seguintes, muita coisa mudou. A cidade evoluiu, a população aumentou, políticos se sucederam e diversas ações e projetos foram colocados em prática por governos de diferentes orientações. Porém, o abismo entre o nível de escolaridade dos moradores da favela e do asfalto ainda continua, embora tenha caído para 3,51 anos. Os dados são de uma pesquisa recente da Fundação Getulio Vargas (FGV), intitulada "Desigualdade e Favelas Cariocas: A Cidade Partida está se Integrando?".
O estudo analisou, além do aspecto educacional, fatores como renda, saúde e condições de trabalho. Sob a coordenação do economista Marcelo Neri, os dados mostraram a distância entre o acesso à educação nos morros e no "asfalto". A escolaridade média dos não-moradores de favelas do Rio, é de 9,89 anos de estudo. Já a escolaridade média nas favelas é de 6,38 anos, ou seja, não representa nem o fundamental completo. O título da pesquisa pode até parecer otimista, mas será que podemos considerar que a cidade partida está mesmo se integrando ainda que com uma evolução em marcha lenta? Ou o fato de os dados estarem se aproximando podem significar que a educação como um todo não está avançando?
"Falta muito ainda a ser feito pela educação e eu acho que não está avançando em nada mesmo. Em 50 anos de magistério eu vejo que a educação piorou muito. Por enquanto está difícil acreditar nessa integração. Vai demorar", afirmou Bertha do Valle, professora do Departamento de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Desigualdade é ainda maior em relação ao ensino superior
O levantamento constatou que a escolaridade dos moradores de favelas na cidade do Rio de Janeiro não apresentou ganhos significativos nos últimos 12 anos, em relação à população que não vive nos morros. De acordo com os dados coletados, o tempo de permanência nas salas de aula aumentou. Os alunos das comunidades passam 4,106 horas diárias na escola, enquanto o mínimo fixado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) é de quatro horas por dia. Ainda assim, esses estudantes ficam cerca de 15 minutos a menos do que os moradores dos outros bairros.
Também analisado pelo estudo, o ensino universitário apresentou um crescimento no percentual entre os estudantes das favelas. A educadora da Uerj acredita que o avanço se deva a programas sociais. "O ProUni deve ter contribuído para este aumento percentual. Foi um grande avanço, mas bastante pequeno para uma cidade com tantas opções de cursos superiores", alertou. Porém, a diferença entre comunidade e asfalto aumentou. Em 1996, 16,38% dos moradores dos bairros possuíam ensino superior, contra apenas 0,84% dos moradores das comunidades, o que representa uma variação de 15,54 pontos percentuais. Já em 2008, ano final da pesquisa, o número era de 24,09% no asfalto e de 2,57% na favela, 21,52 pontos de distância. A proporção de indivíduos com curso superior universitário nas favelas é quase 10% da registrada no resto da cidade.
Mas por que, em mais de uma década, o afastamento entre a formação média dos moradores de favelas e do asfalto não caiu de forma significativa? "Os investimentos em educação estão muito abaixo da necessidade do processo educacional", declarou Bertha do Valle. E o que teria sido decisivo para que, ao longo dos 12 anos de referência da pesquisa, o acesso à educação não tenha se tornado mais equânime entre várias regiões da cidade? Segundo a educadora da Uerj, faltou investir em aspectos prioritários para melhorar a qualidade.
"Precisaria de um maior investimento na estrutura física das escolas, implantação de horário integral em todas elas, currículo diversificado para os alunos, incluindo diferentes modalidades desportivas, música, artes, visitas a museus e exposições, melhores condições de trabalho para os profissionais da educação, planos de carreira atraentes para que os professores mais capacitados não se evadam do magistério", completou.
O destaque inicial do estudo foi dado à análise das grandes favelas cariocas como o Complexo do Alemão, Jacarezinho e Rocinha, além dos reassentamentos urbanos da Cidade de Deus e da Maré. O foco nessas comunidades, nas palavras do coordenador da pesquisa, que confirmam a fala de Bertha, talvez ilustre o lado mais difícil da crise metropolitana brasileira: o surgimento e o crescimento de uma nova pobreza muito próxima de áreas de alta riqueza e desassistida pelo Estado.
O levantamento constatou que a escolaridade dos moradores de favelas na cidade do Rio de Janeiro não apresentou ganhos significativos nos últimos 12 anos, em relação à população que não vive nos morros. De acordo com os dados coletados, o tempo de permanência nas salas de aula aumentou. Os alunos das comunidades passam 4,106 horas diárias na escola, enquanto o mínimo fixado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) é de quatro horas por dia. Ainda assim, esses estudantes ficam cerca de 15 minutos a menos do que os moradores dos outros bairros.
Também analisado pelo estudo, o ensino universitário apresentou um crescimento no percentual entre os estudantes das favelas. A educadora da Uerj acredita que o avanço se deva a programas sociais. "O ProUni deve ter contribuído para este aumento percentual. Foi um grande avanço, mas bastante pequeno para uma cidade com tantas opções de cursos superiores", alertou. Porém, a diferença entre comunidade e asfalto aumentou. Em 1996, 16,38% dos moradores dos bairros possuíam ensino superior, contra apenas 0,84% dos moradores das comunidades, o que representa uma variação de 15,54 pontos percentuais. Já em 2008, ano final da pesquisa, o número era de 24,09% no asfalto e de 2,57% na favela, 21,52 pontos de distância. A proporção de indivíduos com curso superior universitário nas favelas é quase 10% da registrada no resto da cidade.
Mas por que, em mais de uma década, o afastamento entre a formação média dos moradores de favelas e do asfalto não caiu de forma significativa? "Os investimentos em educação estão muito abaixo da necessidade do processo educacional", declarou Bertha do Valle. E o que teria sido decisivo para que, ao longo dos 12 anos de referência da pesquisa, o acesso à educação não tenha se tornado mais equânime entre várias regiões da cidade? Segundo a educadora da Uerj, faltou investir em aspectos prioritários para melhorar a qualidade.
"Precisaria de um maior investimento na estrutura física das escolas, implantação de horário integral em todas elas, currículo diversificado para os alunos, incluindo diferentes modalidades desportivas, música, artes, visitas a museus e exposições, melhores condições de trabalho para os profissionais da educação, planos de carreira atraentes para que os professores mais capacitados não se evadam do magistério", completou.
O destaque inicial do estudo foi dado à análise das grandes favelas cariocas como o Complexo do Alemão, Jacarezinho e Rocinha, além dos reassentamentos urbanos da Cidade de Deus e da Maré. O foco nessas comunidades, nas palavras do coordenador da pesquisa, que confirmam a fala de Bertha, talvez ilustre o lado mais difícil da crise metropolitana brasileira: o surgimento e o crescimento de uma nova pobreza muito próxima de áreas de alta riqueza e desassistida pelo Estado.
Desinteresse é a razão mais frequente para evasão escolar
Outro aspecto analisado pela pesquisa foi os motivos pelo qual os estudantes moradores de comunidades carentes deixam de frequentar a escola. Segundo o levantamento, 39% do jovens abandonam a sala de aula simplesmente por falta de interesse. Outros 31% largam os estudos por terem de trabalhar. Com relação aos não-moradores de favelas, 25% dos jovens abdicaram da educação formal por falta de interesse em estudar e outros 22% por necessitarem gerar renda para a família.
De acordo com Marcelo Neri, 34% dos habitantes de favelas tem até 19 anos de idade. Levando o dado em consideração, o número de pessoas que trabalha em uma fase da vida escolar é significativo. Esta, porém, não é a conclusão mais preocupante. Para a socióloga especialista em Antropologia Social Ilana Strozenberg, a perda de interesse do jovem pela sala de aula deve ser olhada com mais cautela.
"Antes imaginava-se que o que impedia o aluno de ir à escola era o fato de ele ter que começar a trabalhar muito cedo. Hoje, percebemos que não é mais assim. Os jovens não vão à escola porque a escola é ruim", diz Illana, que também é colaboradora do Observatório de Favelas, organização social de pesquisa, consultoria e ação pública dedicada à produção do conhecimento e de proposições políticas sobre as favelas e fenômenos urbanos.
A pesquisadora acredita que o sistema de ensino está defasado em relação à realidade da juventude atual. Segundo ela, está enganado quem pensa que, nas comunidades carentes, a juventude não tem acesso à cultura da internet, por exemplo. "A forma deles de se relacionar com o conhecimento nas escolas tem muito pouco a ver com o sistema escolar. A forma de ensino não atende a essa nova maneira de existência. Muitos deles preferem passar o dia em uma lan house do que frequentar aulas", diz a especialista, para quem, a situação é semelhante em relação a jovens de outras camadas sociais.
"A juventude classe média também não está interessada na escola. A diferença é que eles se mantém por lá porque a família não permite que ele saia. O controle é diferente", disse, acrescentando que os investimentos nas escolas como um todo devem contemplar não só os espaços físicos, mas também uma revisão da metodologia. Não reconhecer a instituição de ensino como um local interessante pode ter como justificativa uma série de aspectos, como os citados pela socióloga. Mas, será que o alto índice de evasão por desinteresse também reflete um quadro no qual o jovem de comunidade carente não compreende o papel que o acesso à educação pode ter para seu futuro? Na visão de Ilana, nestes locais, em geral, os moradores podem até considerar o acesso à educação importante. Porém, não enxergam a escola, em seu formato atual, como um espaço de crescimento.
"Penso que eles se sentem aprendendo muito pouco em sala de aula. Pesquisas mostram que, mesmo depois de cinco anos estudando, os alunos permanecem analfabetos funcionais. Estar na escola, para muitos deles, não significa uma garantia. Sabem que o aprendizado é importante, não são ingênuos. Não acredito que seja uma falta de desejo, mas uma percepção de que aquilo não vai trazer grandes ganhos. Eles não vêem a instituição como uma porta para o futuro. Na favela, muitas vezes a escola significa apenas um lugar mais seguro".
Aos jovens trabalhadores, uma alternativa seria o ensino noturno. Em algumas comunidades, esta modalidade já existe. A ampliação de vagas neste setor e o investimento maciço poderiam solucionar o problema daqueles que são impedidos de frequentar a escola pela necessidade de gerar renda.
Como professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretora acadêmica do Instituto Contemporâneo de Projetos e Pesquisa, além de especialista em cultura, disseminação e democratização do conhecimento, Ilana Strozenberg alerta para os perigos de evasão no ensino noturno. "É uma proposta interessante. Mas depende muito do ensino que será ministrado. De que forma vamos atrair esses jovens que já trabalharam um dia inteiro? É preciso mostrar e fazer com que efetivamente a escola os direcione para uma vida diferente da que levam", concluiu.
Fica, então, a expectativa de que, nos próximos 12 anos, as políticas implantadas realmente reduzam o abismo educacional entre as áreas mais ricas e mais pobres da cidade.
Outro aspecto analisado pela pesquisa foi os motivos pelo qual os estudantes moradores de comunidades carentes deixam de frequentar a escola. Segundo o levantamento, 39% do jovens abandonam a sala de aula simplesmente por falta de interesse. Outros 31% largam os estudos por terem de trabalhar. Com relação aos não-moradores de favelas, 25% dos jovens abdicaram da educação formal por falta de interesse em estudar e outros 22% por necessitarem gerar renda para a família.
De acordo com Marcelo Neri, 34% dos habitantes de favelas tem até 19 anos de idade. Levando o dado em consideração, o número de pessoas que trabalha em uma fase da vida escolar é significativo. Esta, porém, não é a conclusão mais preocupante. Para a socióloga especialista em Antropologia Social Ilana Strozenberg, a perda de interesse do jovem pela sala de aula deve ser olhada com mais cautela.
"Antes imaginava-se que o que impedia o aluno de ir à escola era o fato de ele ter que começar a trabalhar muito cedo. Hoje, percebemos que não é mais assim. Os jovens não vão à escola porque a escola é ruim", diz Illana, que também é colaboradora do Observatório de Favelas, organização social de pesquisa, consultoria e ação pública dedicada à produção do conhecimento e de proposições políticas sobre as favelas e fenômenos urbanos.
A pesquisadora acredita que o sistema de ensino está defasado em relação à realidade da juventude atual. Segundo ela, está enganado quem pensa que, nas comunidades carentes, a juventude não tem acesso à cultura da internet, por exemplo. "A forma deles de se relacionar com o conhecimento nas escolas tem muito pouco a ver com o sistema escolar. A forma de ensino não atende a essa nova maneira de existência. Muitos deles preferem passar o dia em uma lan house do que frequentar aulas", diz a especialista, para quem, a situação é semelhante em relação a jovens de outras camadas sociais.
"A juventude classe média também não está interessada na escola. A diferença é que eles se mantém por lá porque a família não permite que ele saia. O controle é diferente", disse, acrescentando que os investimentos nas escolas como um todo devem contemplar não só os espaços físicos, mas também uma revisão da metodologia. Não reconhecer a instituição de ensino como um local interessante pode ter como justificativa uma série de aspectos, como os citados pela socióloga. Mas, será que o alto índice de evasão por desinteresse também reflete um quadro no qual o jovem de comunidade carente não compreende o papel que o acesso à educação pode ter para seu futuro? Na visão de Ilana, nestes locais, em geral, os moradores podem até considerar o acesso à educação importante. Porém, não enxergam a escola, em seu formato atual, como um espaço de crescimento.
"Penso que eles se sentem aprendendo muito pouco em sala de aula. Pesquisas mostram que, mesmo depois de cinco anos estudando, os alunos permanecem analfabetos funcionais. Estar na escola, para muitos deles, não significa uma garantia. Sabem que o aprendizado é importante, não são ingênuos. Não acredito que seja uma falta de desejo, mas uma percepção de que aquilo não vai trazer grandes ganhos. Eles não vêem a instituição como uma porta para o futuro. Na favela, muitas vezes a escola significa apenas um lugar mais seguro".
Aos jovens trabalhadores, uma alternativa seria o ensino noturno. Em algumas comunidades, esta modalidade já existe. A ampliação de vagas neste setor e o investimento maciço poderiam solucionar o problema daqueles que são impedidos de frequentar a escola pela necessidade de gerar renda.
Como professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretora acadêmica do Instituto Contemporâneo de Projetos e Pesquisa, além de especialista em cultura, disseminação e democratização do conhecimento, Ilana Strozenberg alerta para os perigos de evasão no ensino noturno. "É uma proposta interessante. Mas depende muito do ensino que será ministrado. De que forma vamos atrair esses jovens que já trabalharam um dia inteiro? É preciso mostrar e fazer com que efetivamente a escola os direcione para uma vida diferente da que levam", concluiu.
Fica, então, a expectativa de que, nos próximos 12 anos, as políticas implantadas realmente reduzam o abismo educacional entre as áreas mais ricas e mais pobres da cidade.
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